sexta-feira, julho 17

A magia de João Cutileiro


A princípio era a pedra, “o frio, liso mármore”, de que falou o poeta Afonso Duarte. Mas veio o João Cutileiro. Tocou a pedra e a pedra fez-se flor. Tocou o mármore e o mármore fez-se corpo, abriu-se em sexo de mulher, ergueu-se em falo. E foi braços, coxas, seios, rostos. E também cabelo. E também mãos. E o espírito do desejo, Eros, floriu por sobre a pedra e sobre o mármore.


“Tu és bela como uma pedra”, tinha dito Paul Valéry. “Tu és tão bela que eu te crio”. Foi o que fez João Cutileiro Ele viu que a beleza estava na pedra. E que a pedra era carne. E criou o homem. E criou a mulher. O primeiro homem a primeira mulher. Porque ele sabe, como o mesmo Valéry: “O corpo por vezes passa através da alma; um desejo voa como uma flecha disparada de um ponto da nossa carne para o próprio céu do nosso espírito”. Eis o milagre da pedra, o anjo da carne. Ou simplesmente a magia de João Cutileiro.


Lisboa, 2 de Abril de 1999

Manuel ALegre



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