sábado, março 30

Intervalo


Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?
Quem to disse tão cedo?

Não fui eu, que ta não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque o não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria algu´m, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer cíume meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o suôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
Ao teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.

Fernando Pessoa

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